sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A coerência e a ingenuidade de Ciro

Um atributo não se pode negar ao deputado Ciro Gomes, a originalidade. Talvez por isso seu discurso provoque tanta confusão e desconfiança. Veja-se a excelente entrevista que ele concedeu ao Fernando Rodrigues, do Uol. Ela pode se entendida de várias formas, embora, no fim das contas, seu raciocínio seja claro. Não se pode culpar o candidato por ouvirmos o que ele não disse. (A entrevista deve ser vista até o final, que tem um belo recado sobre a "grande" imprensa; uma das qualidades de Ciro é a coragem de falar contra as elites brasileiras.)
Devo dizer que votei nele em 1998 e 2002. Ciro é convincente, inteligente, culto, não deixa nenhuma pergunta sem resposta, é claro e radical nas suas posições. Seu campo de atuação é a política burguesa, mas ele se movimenta nela sem transigir, pelo menos no discurso - se é coerente na prática, é preciso investigar a fundo, e nada melhor do que uma campanha eleitoral em que ele tenha chance de ganhar para possibilitar isso.
Noto nele, porém, uma certa ingenuidade, que no momento atual aparece quando fala do governador Aécio Neves. Na entrevista citada Ciro expõe todas as qualidades que citei e uma visão original do processo eleitoral de 2010. Sua análise começa a dar sentido pela primeira vez para mim à aliança Pimentel-Aécio. Em resumo, ele "calcula" que: 1) Serra desistirá de ser candidato a presidente, pressentindo que perderá no segundo turno, e escolherá ser reeleito governador de São Paulo; 2) com a desistência de Serra, Aécio entra na disputa, forte em SP (com apoio de Serra) e em Minas, dividindo o RS, melhor no Nordeste e no Norte do que Serra, torna-se favorito na disputa, desarruma as alianças que o PT fez com os conservadores e o PMDB abandona o apoio a Dilma. Quanto a ele próprio, acredita que receberá propostas para ser "vice daqui, vice dacolá", mas se manterá candidato a presidente. Mais do que isso ele diz que não consegue vislumbrar.
Aliás, sobre seu apoio a Aécio, ele esclarece o que disse: "Aécio faz uma sucessão presidencial em que todos nos trataremos bem pessoalmente", diz ele. "É tão importante a presença do Aécio no processo que a necessidade da minha candidatura diminui."
É nesse ponto que o considero ingênuo, ao superestimar Aécio. Será que ele vê mesmo em Minas um governo progressista? Será que desconhece o histórico de controle da imprensa mineira pelo governador? Será que Aécio tem as qualidades morais que ele supõe? Será Aécio capaz de "resgatar uma certa instransigência progressista" que Ciro apregoa?
O que fica da entrevista, além das qualidades de Ciro, é a sensação de que, apesar do apoio popular que o presidente Lula tem, a eleição de Dilma não são favas contadas, e que Aécio é um adversário mais difícil de ser derrotado do que Serra. Que, embora elogie Aécio, Ciro se coloca no campo do governo, inclusive para o enfrentamento a Aécio no segundo turno. Em Minas, certamente o cenário que tem Aécio como candidato a presidente torna mais difícil a vitória do candidato do PT a governador. Dilma e Patrus são oposição a Aécio; Pimentel já avisou que não será o anti-Aécio.

http://noticias.uol.com.br/politica/2009/12/03/ult5773u3208.jhtm