domingo, 25 de setembro de 2011

Os 15 anos do jornal Pampulha e a imprensa que virou peça de museu

O jornal Pampulha completa 15 anos e comemora com novo leiaute e novas seções. Como uma debutante, muda de roupa, acrescenta acessórios, sorri para a sociedade, mas é inexoravelmente um jornal velho. Acompanho o semanário desde o começo, primeiro porque chega gratuita e regularmente à minha residência; segundo porque participei da primeira edição, em 1996. Era então editor de Cidades do jornal O Tempo, em gestação, e, enquanto o produto principal não ficava pronto, a equipe treinou fazendo o Pampulha. Minha editoria era a maior do jornal, de forma que fizemos também o maior número de páginas, durante algumas semanas, até que o jornal ganhou redação própria e O Tempo foi lançado.

Foi uma experiência interessante e confesso que gostei mais do semanário do que do diário, do qual saí pouco depois que começou a circular. De longe acompanhei a trajetória do Pampulha, que conserva nos cargos de chefia da redação jornalistas que lá estavam na inauguração (vale esclarecer que o Pampulha já circulava há alguns anos, mas era um jornal de bairro até ser comprado pela editora que o publica hoje). Mudou bastante, da primeira edição para a atual: no projeto gráfico, no formato, no conteúdo. Como contava com uma enorme redação -- repórteres, redatores e editores de todas as áreas, de política a artes, de cidades a economia, de esportes a internacional, além de fotógrafos e desenhistas gráficos -- Pampulha começou como um jornalão, repleto de reportagens sobre temas variados. Logo, com a redação encolhida, seu conteúdo também encolheu. Acabou tomando o modelo que tem hoje: uma reportagem de capa, em geral sobre tema de comportamento e programação cultural, além de editorias de veículos, turismo e imóveis, as quais combinam serviços, divulgação de novos produtos e pequenos (e grandes) anúncios. Aqui e ali cabem mais uma ou outra materinha.

É uma fórmula de sucesso descoberta pelo extinto Jornal de Casa, que circulou em Belo Horizonte dos anos 70 aos 90, publicado pela editora do Diário do Comércio, então uma pequena empresa sólida e sóbria, comandada pelo "velho Costa", já falecido. É também um modelo de jornal econômico, mantido por anúncios, uma vez que é ditribuído gratuitamente, mas que não pode gastar muito com a produção de conteúdos.

Com o JC o DC apostou -- e ganhou -- numa fórmula para resolver um dilema antigo: como a venda de jornal no Brasil é muito pequena, quase residual, o dinheiro dos leitores não é capaz de manter a publicação. Ao mesmo tempo, o jornal precisa ter grande tiragem para atrair anúncios. Não à toa tem jornal na praça que alardeia "grande" tiragem, embora sua venda em banca seja pequena. Na verdade, ele vende publicidade, mais do que notícias.

O JC/DC trocou a pequena receita da pequena vendagem pela grande publicidade atraída pela grande tiragem, com exemplares distribuídos gratuitamente nos bairros mais ricos da cidade, no fim de semana. Para isso, porém, era preciso fazer um jornal de baixo custo. Quando o JC entrou em decadência, nos anos 90, consequência das dificuldades da editora que o publicava, o Pampulha ocupou seu espaço. Antes, adaptou seu pretensioso projeto original para o modelo de baixo custo adotado pelo concorrente.

Sem concorrentes no mercado e com público cativo, Pampulha não precisa mais conquistar o leitor, de forma que mantém o mesmo jeitão, ano após ano. Suas mudanças reais nessa década e meia foram no formato, que passou de standard para tabloide, e no leiaute. Dizer se essas duas mudanças foram para melhor ou para pior é uma questão mais de gosto do que de qualidade: na essência o modelo é o mesmo. O tabloide é um formato mais econômico, confortável, mas pouco usado no Brasil, exceto no Sul. Quanto a projeto gráfico, há uma linha geral que todos os "grandes" jornais seguem, privilegiando imagens em detrimento de textos, e que varia pouco de veículo para veículo. Pampulha segue a regra. O que parece incontestável é que o modelo "distribuição gratuita-grande tiragem-muitos anúncios" deu certo.

Por que então digo que se trata de um jornal inexoravelmente velho? Folheando a nova edição do Pampulha o que percebo com clareza é que, por mais que queira parecer jovem, o modelo da velha imprensa está condenado à extinção, sobrevivendo como curiosidade e peça de museu. Não é o modelo do Pampulha, exclusivamente, mas o jornal impresso, que entre nós foi sempre um jornal empresa, jornal negócio, jornal pretensamente liberal no conteúdo e sustentado pelos reclames. Não temos tradição de jornais ideológicos, jornais de opinião, jornais sustentados pelo leitor. Os que tivemos foram exceções, mais numerosos e com considerável importância sobre a população ledora durante o período em que imperou a censura prévia pela ditadura militar.

A decadência da imprensa impressa no Brasil coincide, portanto, com a decadência da chamada imprensa burguesa, a imprensa empresarial, do capital, dos empresários, dos políticos e dos grandes anunciantes, para quem o leitor foi sempre um consumidor de anúncios, um meio e não um fim. Em outras palavras: a decadência da velha "grande" imprensa significa decadência de classe, significa perda de poder econômico e perda de influência política. As elites empresariais e políticas tradicionais do País estão perdendo poder na comunicação.

A ascensão da internet não é apenas uma nova forma de se fazer comunicação, é também uma mudança política e comportamental. Diante do se faz na nova imprensa da web os jornais impressos parecem efetivamente peças de museu -- como o telefone de disco, a máquina de escrever, a máquina fotográfica manual, a tevê em preto e branco. E como tal não têm mais serventia, não atingem os jovens, interessam apenas a pesquisadores.

Folheando um jornal, o leitor habituado à internet pergunta-se, matéria após matéria: "Só isso? Onde estão os comentários? Como é que eu faço para interagir? Onde está o link que me leva ao original? Não tem outras fotos? Como é que eu faço para enviar para alguém? Como é que eu faço para copiar?" Isto não é teoria, é o comportamento do leitor contemporâneo diante dessa coisa velha, limitada e elitista que é a imprensa impressa, leitor habituado a uma leitura que não tem fim, a informações que abarcam o mundo, de cuja produção e divulgação ele participa, desfrutando de inúmeras possibilidades de ação.

A nova imprensa não serve aos velhos propósitos empresariais: alguém imagina a Globo compartilhando a produção de informações, democratizando opiniões? Intrinsecamente democratizante, crítica, múltipla, colaborativa, a internet é incompatível com a censura, com o controle, com o elitismo, com o autoritarismo.

Como já aconteceu inúmeras vezes na história, e especialmente na história do capitalismo, esse sistema de transformações incessantes, a internet promove uma revolução na comunicação que joga na lata de lixo uma outrora poderosa elite que controlava a informação e manipulava o jogo político. A natureza democrática da internet propicia transformações no mundo que vão muito além da imprensa e refletem a transformação da própria civilização.