quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Vereadora que quer vender rua processa morador que protesta em blog

O professor Jacyntho Lins, que foi vice-reitor da UFMG, dá lição de cidadania para os belo-horizontinos e brasileiros. Ele lidera movimento dos moradores da Rua Musas, no Bairro Santa Lúcia, que se levantaram contra mais este ato autoritário do prefeito milionário que não mora na cidade que administra Márcio Lacerda e vereadores de Belo Horizonte.
O prefeito doou trecho de uma rua (a primeira? Outras virão?) para uma construtora fazer um hotel para a copa da máfi(f)a.
A vereadora ex-delegada de polícia Matozinhos, que já teve pedido de censura ao blog do movimento negado pela Justiça, apelou para a polícia digital. Ela trocou o apoio ao projeto do prefeito por um sistema de vigilância por câmaras na sua própria rua – e declarou isso publicamente. Mas não quer que os eleitores saibam disso.
Na era da internet, em que todos podem ter seu veículo de comunicação, sem dependerem da "grande" imprensa, a luta pela cidadania se confunde com a luta pela liberdade de expressão. A carta abaixo é um documento que merece transcrição integral.

Carta aberta à vereadora Elaine Matozinhos
Belo Horizonte, 13 de setembro de 2011
Ilma. Sra. Elaine Matozinhos Ribeiro
Vereadora e Vice-Presidente da Associação de Moradores do Bairro Santa Lúcia
Senhora Vereadora e Vice-Presidente,
Ontem compareci à Delegacia de Crimes Digitais para prestar depoimento no processo criminal aberto pela Sra. contra mim e meu filho Pedro. É o segundo ataque da Sra. contra nós, ao que parece inconformada com a falta de sucesso na sua primeira tentativa de calar o Movimento Salve a Rua Musas, quando solicitou ao Juiz da 11ª. Vara Cível que fosse retirado de nosso saite www.salveamusas.com.br o vídeo com sua atuação na Audiência Pública do Comam. A Sra. conhece o despacho do MM. Juiz de Direito, mas vale recordá-lo e torná-lo público: "A princípio não se vislumbra qualquer empecilho na utilização na imagem e voz da Autora [a Sra.] pelo saite em questão, vez que se presume tratar o evento registrado de evento público, bem como se trata a Autora [a Sra.] de pessoa pública, vereadora da cidade de Belo Horizonte. (...) Numa sociedade democrática, e numa análise preliminar do caso, perfeitamente normal sejam os representantes eleitos cobrados por seus eleitores e a Autora [a Sra.], votada muito possivelmente pelos moradores do bairro Santa Lúcia, do qual se diz vice-presidente da associação de moradores, está sujeita a tanto. Portanto, em relação ao vídeo, indefiro, por ora, o pedido de exclusão (...)." É curioso que, na sua denúncia criminal, a Sra. não tenha registrado estes dois fatos: que a Sra. é Vereadora e Vice-Presidente da Associação, como se nossa rixa tivesse algum caráter pessoal. Como fizemos ao delegado, é preciso sempre recordar isto: nossa desavença é política e a Sra. não deveria jamais esquecer que é uma "pessoa pública" que, como tal, deve responder por suas opções e por seus atos. Sua opção, inexplicavelmente, foi feita muito antes de a “venda” da Rua Musas ao Sr. Eduardo Gribel ter chegado ao conhecimento dos moradores do bairro. Deixo de lado acusá-la agora de desídia no exercício de suas funções na Câmara Municipal ao votar a favor de um projeto ilegal (a Sra. certamente sabe que ruas fazem parte dos "bens de uso comum do povo" e, portanto, são "inalienáveis"), pois nossa arena, no presente momento, não é criminal, mas política. O que lhe pergunto é por que, desde o início desse negócio escabroso, a Sra. escolheu conversar só com um dos lados, o do citado empreiteiro. Que a "venda" da rua (que mais merece ser chamada de "doação", já que ruas não se vendem) ao dito senhor e a construção de um hotel de 30 andares no local é algo lesivo para o nosso bairro fica claro quando a Sra. mesma afirma que são necessárias "medidas compensatórias". Se a Sra. admite o prejuízo, por que não se pôs e continua a não se pôr do lado do Bairro Santa Lúcia, mas prefere o lado daquele que intimamente a Sra. chama de "Dr. Gribel"? Não é este senhor que a Sra. não deveria estar processando, por crime contra o patrimônio público e contra o meio ambiente? Como é que, pelo contrário, a Sra. decide processar moradores do seu bairro que estão lutando contra esse desmando da Prefeitura e a ambição do Sr. Gribel? O raciocínio é simples: a) o Sr. Gribel, ao qual a Sra. se aliou, tem o mero interesse de auferir lucro para si com o negócio em pauta; b) nós, doMovimento Salve a Rua Musas, não vamos ter lucro nenhum, pois o que estamos defendendo é o patrimônio público. Então, divididos assim os lados da contenda, a Sra. nos deve uma explicação de por que decidiu se tornar advogada do lucro do empreiteiro contra quem defende o patrimônio público, ou seja, advogada de um interesse estritamente privado contra o interesse dos moradores do seu bairro. Como "pessoa pública" (é preciso ressaltar sempre o adjetivo), estar do lado do interesse público contra a ambição de quem só quer ganhar dinheiro para si seria sua obrigação (não é questão de opção, vereadora!). Como é então que a Sra. passa a comportar-se como se fosse "sócia" do tal empreendimento? Mais ainda, parece que a Sra. tem medo de conversar conosco, os moradores das ruas do seu bairro, pois, como Vice-Presidente, aliada a suas amigas (fico pensando se as tais Nilma e Rita a que a Sra. faz referência no vídeo), a Sra. barrou o pedido que encaminhei, há duas semanas, de uma reunião da Diretoria da Associação de Moradores conosco. É mais uma demonstração de desídia no exercício dessa outra função pública. Data venia, Vereadora, a Sra., que é política, sabe que quem conversa só com um lado perde o senso. De que a Sra., afinal, tem medo? Como "pessoa pública" (sublinhe-se sempre o adjetivo), a Sra. não deveria, pelo contrário, estar conversando conosco desde o princípio? A luta em defesa do nosso bairro não deveria ser sua função como Vice-Presidente da Associação? Ou sua amizade com o Sr. Gribel vale não só a destruição do bairro onde moramos como até da nossa Associação? Precisamos entender: seu amigo mora aqui? Minha crítica à Associação não se dirige, naturalmente, a toda a Diretoria, mas à ala dela que a Sra. comanda e que é responsável pela cizânia que infelizmente começou a grassar entre nós. Houve outras ocasiões em que a sanha mesquinha de quem quer apenas ganhar dinheiro tentou atacar o mesmo local da Rua Musas, sendo coibida pela pronta reação da nossa Associação. Todavia parece que a Sra. está disposta a destruir nossa Associação (veja que ela é também nossa, dos que moramos na Rua Musas, na Rua Cosmos, na Rua Lua, na Rua Parentins, na Praça do Sol etc., não só na rua onde a Sra. mora!). Então, só nos resta fundar uma outra Associação que tenha Vice-Presidente à altura. Veja, Vereadora, as consequências de sua opção pelo privado contra o público (sempre lembrando o adjetivo que define sua condição de "pessoa pública", que, permita-me dizer, deveria ser honrado pela Sra.). Peço que a Sra. não considere esta carta um ataque. Ela é uma manifestação política (e por isso é pública). Ela é também, com a exposição das razões acima, um convite para que a Sra. reveja suas posições, enquanto “pessoa pública” (atenção ao adjetivo!), e se ponha do lado certo. Todo mundo pode errar ou ser iludido (lembremos da mentira de que o hotel aqui seria da rede Hyatt), mas todo mundo também pode sempre ter a grandeza de, descoberta a verdade, mudar para o lado certo, o que no presente caso é cristalino: a lei e o interesse público. No processo criminal a Sra. registrou que está sendo ameaçada por mim (e, saliente-se, como se trata de um processo criminal, o seu objetivo é me pôr na cadeia). Como a Sra. não me conhece, até porque se recusa a conversar comigo (veja o perigo de dar ouvidos só a seu amigo empreiteiro!), não sabe que não faço ameaças. Tenho muito orgulho, e o Pedro também, de que fique registrado para a posteridade que um dia fomos processados pela Sra. por defendermos o patrimônio público de nossa cidade. Talvez o que a Sra. esteja entendendo como ameaça venha de outra confusão em que uma "pessoa pública" (o adjetivo!) não deveria incorrer: não é ameaça, Vereadora, mas senso de cidadania. Porque é evidente que, a persistir a Sra. nos erros que vem cometendo, vamos sim fazer campanha política contra a Sra. em toda e qualquer eleição. Não pense que se trate de algo pessoal. É que permitir que sejam eleitas, para cargos públicos, pessoas que não sabem qual o lado certo é um risco de proporções incomensuráveis para a nossa democracia. E não podemos deixar passivamente que aconteça com ela o que vem acontecendo com nossa Associação (e com nossa cidade), em consequência de suas opções erradas.Portanto, Vereadora, como um cidadão consciente, contra isso é minha obrigação lutar.
Atenciosamente,
Jacyntho Lins Brandão
Rua Musas, 250
e-mail: jlinsbrandao@ufmg.br
PS – Como também fui citado na denúncia criminal, desejo ressaltar, Vereadora, como a Sra. tem atitudes estranhas. No caso da Rua Musas, a Sra. votou contra o nosso bairro na Câmara e continua contra nós. No caso do Shopping Falls, que já estava aberto e funcionando, por ser perto da sua casa, a Sra. diz que gastou mais de 100 mil reais de seu bolso para fechar vários de seus estabelecimentos (mesmo tendo um patrimônio declarado de 135 mil reais) e propôs uma lei ambiental na Câmara, sem pensar em "medidas compensatórias". Por que dois pesos e duas medidas? Para uns, a lei; para o "Dr. Gribel", o lucro? Afinal, que bairro a Sra. representa?A propósito, a acusação de ameaça que a Sra. me faz, e a meu pai, não é ameaça. Mas apenas um lembrete: ano que vem tem eleição!
Pedro Lins Brandão