segunda-feira, 17 de junho de 2013

O que querem os nas ruas

Vi hoje o jornal nacional, depois de muitos anos, para ver a cobertura das manifestações. Vi coisas surpreendentes, que mostram como o canal que se acostumou a mandar nas autoridade do País está perdido. O que revela o baixo nível intelectual de quem o comanda. Enquanto o chefe estava passeando em Fortaleza, onde não acontecia (quase) nada, Patrícia Poeta, com cara de bunda -- pois não há outra definição para aquela cara de má vontade e desinteresse pelo trabalho que ela demonstrou hoje (será sempre assim? Não sei) --, comandava o jornal.
E no entanto fez jornalismo como há muito tempo eu não via. Mostrou todas as manifestações, disse em mini-editorial que é a favor da liberdade de manifestação e contra a violência, inclusive da polícia, e derrapou, para mostrar que continua sendo a mesma globo, ao denunciar funcionários lotados na assessoria da presidência da República, com nomes e fotos, como responsáveis pelo protesto em Brasília, sábado, que teria sido pago. Alguém disse isso em depoimento à polícia, a polícia divulgou e a globo, que funciona como porta-voz da polícia, amplificou a denúncia -- sem ouvir os acusados, como sempre. Ou seja: para não nos deixar esquecer que continua uma merda, depois de fazer jornalismo quase imparcial, fez questão de se sujar.
Mas em uma matéria um repórter citou que, ao passar pelo prédio da globo, em São Paulo, manifestantes gritaram frases contra a emissora, coisa que acontece desde as manifestações das diretas, mas nunca tinha sido levada ao ar.
Enfim, depois que jornalistas apanharam da polícia em São Paulo, semana passada, a imprensa protofascista resolveu cobrir as manifestações. E a cobertura revela toda a fragilidade dessa imprensa. Vi também outros canais e a confusão é geral. De tão acostumada a ser oficial, sensacionalista e contra os governos petistas, ela não consegue sequer expressar o que vê.
Na Bandeirantes, por exemplo, as imagens mostravam a violência da PM e o repórter narrava a violência... dos manifestantes!, brigando flagrantemente com as imagens. Pior: protegia-se atrás da tropa de choque e só entrevistava o chefe da polícia.
Apesar da cena do dia, que foi a comandante do policiamento da capital, depois de se perder dos seus comandados e acabar no meio da manifestação, foi conduzida sobre proteção até soldados do Exército, por um grupo de manifestantes.
Aliás, havia Exército nas ruas em Belo Horizonte, coisa que não aconteceu em nenhuma outra cidade. Belo Horizonte foi também a única cidade onde houve violência hoje. Em todas as outras a polícia foi mantida sob controle, para evitar as cenas da semana passada, mas em BH fez as covardias de sempre: bateu, jogou bombas, feriu e prendeu manifestantes pacíficos.
Tudo que está acontecendo é surpreendente, embora seja absolutamente compreensível. Vivemos todos os dias sob a violência, o incompreensível é que as ruas não se manifestem todos os dias como se manifestaram hoje.
A polícia militar, sobrevivente da ditadura, precisa ser extinta e substituída por outra, da democracia, que proteja os cidadãos e seus direitos, em vez de reprimir manifestações, prender e matar pobres e se aliar a bandidos.
Mas não é só a polícia que ainda é a da ditadura: a própria política brasileira é. Todos os ideais, bandeiras e esperanças que o fim da ditadura representaram foram corrompidos em 28 anos de governos civis; por fim, o próprio PT, que canalizou aqueles anseios num partido político, se curvou e se corrompeu, pensando que o certo é fazer como todos os outros, afinal, é assim que se governa, é assim que se ganha eleição etc. e tal.
O que surpreende nas manifestações atuais é a falta de organização institucional, a espontaneidade. Isso mostra, por um lado, que PT, sindicatos e velhas associações (bandeiras do PSTU foram renegadas, em São Paulo e em Belo Horizonte, o que mostra como o partido não tem qualquer liderança sobre o movimento), formados na luta contra a ditadura não representam mais o povo que vai para as ruas.
Por outro lado, mostra que este povo não tem organização: novas associações, sindicatos e partidos. Movimentos políticos vigorosos como este que não se organizam, acabam se esfacelando, se desviando, sendo cooptados e manipulados. Ainda mais por se tratarem de jovens, idealistas e inexperientes.
Representam, porém, tudo de bom que precisamos para o País e o mundo, mas já descremos. Só podemos esperar que essa nova geração mantenha seus ideais e não se corrompa como se corrompeu a geração que hoje está no poder. E na oposição.
Os problemas que a sociedade contemporânea enfrenta são grandes demais e, se exigem participação popular para serem resolvidos, também exigem organização. Sair a ordem que nos leva para o caos pode ser só o começo do caos.
Há muito mais o que dizer sobre essa onda de manifestações, como por exemplo, as consequências delas para o governo petista: é a primeira vez que ele enfrenta manifestações populares desde que está no poder, manifestações anteriores contra o "mensalão" foram ridículas manipulações da imprensa protofascista e não mobilizaram mais que centenas de pessoas. Isso, no entanto, pode esperar. Terá a presidente Dilma (assistida por seu guru Lula) sensibilidade para reagir à voz das ruas? Isto pode significar renunciar à copa do mundo. Fingir que não entendeu o recado, pode custar caro em 2014 -- não só na copa, mas na eleição.

Da revista vaidapé.
O que queremos? 
Por Paulo Motoryn, colaborador da Revista Vaidapé, estudante de Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP).

Desde o ato da última quinta-feira contra o aumento da passagem do transporte público em São Paulo, em que a violência e a repressão policial viraram notícia em todo o planeta, mais uma ameaça ronda o sucesso das manifestações organizadas pelo Movimento Passe Livre: a instrumentalização do povo.
A evidente mudança de postura da imprensa em relação aos protestos deve ser motivo de desconfiança, não de festa. Isso porque nos últimos dias, imperou o comentário: "Agora até a grande mídia defende as manifestações". Como se isso fosse algo positivo.
Por um lado, a máxima "não é só pelos 20 centavos" conseguiu convencer diversos setores da população a ir às ruas, por outro, abriu uma questão polêmica: se o aumento da passagem foi só o estopim, o que mais nos incomoda? Quais são os reais motivos do fim da letargia política em São Paulo?
A íntegra.