sábado, 5 de julho de 2014

O futebol sem a Fifa

No primeiro tempo, o jogador colombiano chutou o joelho do Hulk, violentamente, deslealmente. Falta para cartão vermelho, mas o juiz não lhe deu sequer o amarelo. Dizem que foi instruído para não dar cartões que tirassem jogadores dos jogos finais. No segundo tempo, o mesmo jogador atingiu Neymar por trás, subiu nas suas costas, puxou seus ombros com as duas mãos e deu-lhe uma joelhada na coluna. Fraturou uma vértebra do craque, tirou-o do jogo e da Copa, afastou-o do futebol por sabe-se lá quanto tempo, oxalá sem sequelas. Mais uma vez o colombiano sequer levou cartão amarelo.
Não foi uma jogada normal.  Assim como juízes, jornalistas estão cada vez mais tolerantes com a violência como "jogada normal". Dentro da área então, tudo é permitido: segurar, puxar camisa, empurrar, apoiar-se nos ombros do adversário, tudo. "Jogada normal" dizem os "comentaristas", muitas vezes obrigados a se contradizer quando a mesma cena é mostrada de um novo ângulo por outra das mil câmaras que hoje transmitem os jogos.
A falta violenta em Neymar não foi um lance normal de jogo. Foi sim um lance corriqueiro no futebol violento que vemos hoje e na breve vida deste craque que desde que surgiu com seus dribles desconcertantes de moleque vem sendo caçado em campo por adversários truculentos. Repare-se no corpo do tal colombiano: estaria melhor num ringue de luta livre. Mas isso também ficou normal no futebol, cada vez mais um jogo de atletas de um metro e oitenta, pesando noventa quilos ou mais, com muito mais músculos do que talento. Parece ser preciso estar fora do ambiente do futebol para perceber essa degeneração.
O episódio triste, que roubou a alegria da vitória e da passagem da Seleção para a semifinal, parece ter acontecido para nos lembrar que, apesar da bela Copa do Mundo que o Brasil está fazendo e do novo ambiente criado no país nas últimas três semanas, a Copa é da Fifa e tudo que ela faz, faz mal e não passa de propaganda, até mesmo escalar e orientar um árbitro ou coibir a violência.
Todos os descalabros ocorridos na organização da Copa vieram de exigências descabidas da Fifa, garantidas numa lei de exceção, a "lei geral da Copa", que pôs 12 cidades em verdadeiro estado de sítio, lotadas de policiais militares armados até os dentes, fechando espaços públicos com grades e veículos, agredindo populares e imprensa, como a Copa fosse uma guerra e não uma competição esportiva. E tudo isso para quê? Para garantir que a Fifa e as empresas que ela licencia ganhem muito dinheiro.
Os brasileiros não ameaçaram a segurança de jogadores e turistas para merecer tais violências. Tampouco a Fifa -- é preciso dizer claramente -- realiza a Copa pelas alegrias que o futebol proporciona, mas pelo dinheiro que ela ganha com ele, como entidade que detém o direito exclusivo de promover competições internacionais de futebol. Tudo que envolve a Copa dá lucro para a Fifa -- dos ingressos vendidos a peso de ouro aos álbuns de figurinhas, das transmissões dos jogos às publicidades de empresas licenciadas, da cerveja que o torcedor bebe ao sanduíche vendido no estádio. Tudo que envolve a Copa é licenciado e quem não paga à Fifa fica excluído da Copa... É por causa dos lucros que aufere que a Fifa realiza a Copa. Os critérios que orientam a entidade são essencialmente financeiros, suas campanhas de "fair play" e "contra o racismo" são pura perfumaria.
Se o craque uruguaio Suarez foi banido da Copa, do Brasil e do futebol por conta de uma mordida num italiano, que punição mereceria o colombiano que fraturou uma vértebra do Neymar? E o juiz que permitiu que tal acontecesse? E a Fifa, que o instruiu a "economizar" cartões? A mordida de Suarez foi ridícula, risível, e sua punição exagerada, um despropósito típico das arbitrariedades da Fifa. O chute no joelho de Hulk e a fratura na coluna de Neymar foram ações graves de um "atleta" que, como tantos outros, entra em campo para impedir que os jogadores talentosos joguem futebol. Não à toa, há milhares de Zuñigas no futebol atual e raros, raríssimos Neymares.
A Fifa tornou-se, há décadas, sinônimo de corrupção. A partir da Copa 2014, seu nome também estará ligado indelevelmente a arbitrariedades, desorganização e violência permitida dentro do campo. O futebol não precisa da Fifa, a Copa não precisa da Fifa, o mundo não precisa da Fifa. O Brasil demonstrou como pode ser uma boa Copa do Mundo. O mundo precisa demonstrar como pode ser o futebol sem a Fifa.